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Foto: https://panorama-direitoliteratura.blogspot.com 

FAUSTO WOLFF

( Rio de Janeiro – Brasil )

 

Fausto Wolff, pseudônimo de Faustin von Wolffenbüttel (Santo Ângelo, RS -  8 de julho de 1940 — Rio de Janeiro, RJ -  5 de setembro de 2008) foi um ator, jornalista e escritor brasileiro.

Fausto Wolff começou a trabalhar aos catorze anos de idade como repórter policial e contínuo do jornal Diário de Porto Alegre. De família humilde, mudou-se para o Rio de Janeiro aos dezoito anos.

No Rio, chegou a manter três colunas simultâneas, escrevendo sobre televisão no Jornal do Brasil, sobre teatro na Tribuna da Imprensa e sobre política no Diário da Noite. Suas opiniões polêmicas e independentes também começaram a aparecer na TV, com o Jornal de Vanguarda de Fernando Barbosa Lima a partir de 1963.

Em 1968, atingido pela censura do governo militar, Fausto Wollf exilou-se na Europa, onde passou 10 anos, na Dinamarca e na Itália. Ainda no exílio, foi um dos editores de O Pasquim, além de diretor de teatro e professor de literatura nas universidades de Copenhague e Nápoles.

Na volta ao Brasil, com a Anistia de 1978, trabalhou em jornais como O Globo e Jornal do Brasil,[2] mas em seguida passou a dedicar-se apenas à imprensa independente, em especial a O Pasquim. Apoiou Brizola em sua eleição para o governo do estado do Rio de Janeiro em 1982 e, a partir dessa experiência, organizou o volume "Rio de Janeiro, um Retrato: a Cidade Contada por seus Habitantes" (1985), considerado um dos mais completos retratos sociológicos da cidade.

A partir daí, longe do cotidiano das redações de jornais, dedicou-se à literatura, também se responsabilizando pela tradução de algumas obras. Voltou a colaborar para o Pasquim através da reedição do periódico, lançada em 1 de abril de 2002 e rebatizada de Pasquim 21.[3] Em 1999, participou da revista de humor e política Bundas, onde assinava uma irônica coluna com o pseudônimo de Nataniel Jebão, um colunista social direitista e defensor da corrupção do poder.

 

Em seus últimos anos, manteve uma coluna diária no "Caderno B" do Jornal do Brasil.

Internado em 31 de agosto de 2008 com hemorragia digestiva, morreu por disfunção de múltiplos órgãos, no Rio de Janeiro, em 5 de setembro de 2008.
Ver a biografia completa em: https://pt.wikipedia.org
 

 

A RECRIAÇÃO DO HOMEM

I

Digo para a minha filhinha:
Aquele senhor bem-vestido
Dentro do Mercedes cinza,
Ao lado da moça loura
Só hoje, com muita calma
Assassinou mais de
Quinhentas crianças,
Exterminou mais de
Trezentos velhinhos,
Levou ao suicídio
Cinquenta pais de família.
Isso, pela manhã.
Á tarde prostituiu mais de
Duzentas mocinhas,
Transformou em criminosos
Quatrocentos operários;
Expulsou de suas terras
Quase mil agricultores.
Antes de encerrar o expediente
Deu entrevista coletiva,
Enfatizando a necessidade
De moralizar o país.

Aquele senhor elegante,
Barriga proeminente
E sorriso irresponsável
Para fazer tudo isso
Ganha um alto salário
Pago por todos nós.
É o nosso representante
No Congresso Nacional.
Não tem alma
Nem escrúpulos,
Não sabe o que é caráter,
Nunca derramou
Um lágrima.
Esse monstro nós criamos
Em nome da democracia
Para nos tiranizar.
Esta é a triste tradição
Da nossa tribo
Que ama os seus algozes.
Castigo de um Deus Comediante
Que nos deu como modelo
Justamente o opressor,
Aquele filho da puta
Que todos almejam ser.

Matá-lo de nada adianta,
Pois tem filhos, netos, capangas
Que depois de se vingarem
Seu trabalho continuarão.
—Que pesadelo terrível,
 

Este que estás contando —
exclama a minha filhinha.
Os porcos comandam o mundo
E não há nada a fazer
Senão ganhar um diploma e
E em porcos nos transformamos.

Aquela água clarinha,
Do lago cor de cristal,
Ninguém quer,
Para nada presta.
É o lugar onde o sistema
Põe os loucos para delirar.
O sonho da liberdade
Custa a alma e causa dor.
Transforma o poeta socialista
Num porquinho ditador.

II
É claro que gostávamos dele.
Era um homem pobre, humilde, ofendido, e maltratado
Como nós.
Era também corajoso e humano.
Muito humano, demasiado humano.
Ficava com raiva, se comovia e chorava.
Mas o livro não registra o seu riso.
Naquela época como hoje, não havia motivos para rir.
Há dois mil anos que gostamos dele
Porque fomos nós, os pobres, que o inventamos.
Não agüentávamos mais a tirania do pai,
Do pai aliado dos tiranos governantes,
Dono de uma religião contra a nossa independência;
Religião que nos mantinha de joelhos
Diante do algoz
Não queríamos uma religião
Que só servia de consolo
Para as impostas privações.
Não queríamos uma religião
Que aliviava a culpa dos poderosos.
Gostávamos dele porque era filho de uma bela adolescente virgem
E de um honesto carpinteiro de mãos calosas como as nossas.
Além disso,
Havia nascido numa manjedoura.
Contava fábulas lindas sobre uma vida melhor
Para todos nós.
Havia amor e comunismo entre nós que dividíamos
O pão, a lágrima, a esperança e o riso eventual.
Mas cedo os ricos descobriram as vantagens da nossa religião.
Prenderam nosso deus simples e humano
E o trancaram num palácio.
Cobriram-no de jóias
E o afastaram de nós.
Fizeram dele um sócio mercador.
Quando alguém da nossa tribo ousava reclamar,
O poder explicava:
“Se ele que é Deus foi crucificado,
Por que tu, mísero mortal,
Não queres sofrer aqui na terra
Quando sabes de antemão
Que terás toda a felicidade no céu?”
Protegidos pelas armas,
Como falavam bem nossos tiranos!
E nós continuamos a agradecer aos senhores que por mais de dois mil anos nos obrigam a conviver
Com a fome, o desemprego, a peste, a miséria,
A brutalidade, a humilhação e o salário mínimo.
Dizem que um dia ele voltará.
Por isso sonhamos com Baltazar, Melchior e Gaspar
Como eles eram naquela época,
Bem diversos do que são hoje e atendem pelo nome de lucro, ganância e poder .
Deixaram de ser reis para se transformarem em assistentes de Papai Noel.
E se essa história da Carochinha fosse verdade
(como é em nossos corações)
senhores donos das pompas do mundo?
Se no dia do juízo Final, nós, os pobres, formos mesmos os primeiros?
Haverá um inferno suficientemente quente para aqueles que há dois milênios nos maltratam?
É fácil reverenciá-lo agora que está morto, e pode ser adorado sem riscos.
Mas nós nos lembramos de como ele era antes;
Antes que o roubassem de nós.
Um dia nos revoltaremos ao lado dele.
Ou sem ele, e se for preciso, até mesmo contra ele!
Hoje a noite, quando vocês estiverem abrindo presentes,
Bebendo champanhe
Como bons fiéis,
Pensem bem antes de mandar o porteiro expulsar
Aquele crioulo sujo, desdentado, cheirando a álcool, medo, humilhação e mijo.
Pode ser o juiz supremo disfarçado,
Aquele por quem tanto esperamos
E por qual vocês tanto temiam.
Pode ser o aniversariante.

(De  O pacto de Wolffenbüttel e a recriação do homem, 2001)

 

*

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Página publicada em março de 2022


 

 

 
 
 
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